A Ingratidão - (ou "Como Dói Uma Bicada no Olho")





Moro a uns 800 metros do meu trabalho, de modo que sempre faço esse trajeto a pé. Passo por um jardim em frente à Assembléia Legislativa, e mais ou menos no meio de Fevereiro, notei um casal de corujas por ali. Estavam sempre em uma árvore ou em um poste de iluminação da praça. E gritavam muito, quando eu passava. Mas eram corujas, e eu fui urbanamente criado, tive poucas chances de ver animais assim, de perto. (E aqui já vi, BEM de perto, tucanos, araras, tamanduás) Então, eu sempre pegava o mesmo caminho, para vê-las. Eventualmente, notei que elas haviam feito um buraco na grama, e pelo menos uma delas passava a maior parte do tempo ou dentro do buraco, ou na sua entrada. Nesse período, elas decidiram que deveriam me remover um olho, ou pelo menos deixar alguma lembrança séria em minha cabeça. Eu passava por ali e elas me atacavam! (Imagino que um globo ocular humano possa parecer apetitoso, mas era como se elas estivessem protegendo algo.)Falei com a namorada de meu filho, que é veterinária, e ela disse que o quadro que eu descrevi parecia com período de procriação das corujas, e que elas deveriam estar protegendo os ovos, no ninho, o tal buraco na grama. Perguntei por maneiras de protegê-las, é um lugar bem público aquele. Minha nora (Meu Deus, eu tenho nora??) descartou qualquer intervenção humana. Mover o ninho certamente impediria os ovos de chocarem e isolar a área apenas atrairia mais atenção, e mais riscos. Achei muito legal, e agora procurava passar um pouco mais distante. Sempre me atacavam, mas eu me sentia meio responsável, porque tinha consultado uma especialista e decidido não fazer "nada". Um dia, haviam quatro corujas!!Duas me atacando e duas bem pequenas, dentro do buraco!!Eu via apenas suas cabecinhas, entrando e saindo da grama, um instante mágico, emocionante! Era como se eu fosse um pai adotivo, um avô daquelas cabecinhas. Com o passar dos dias, as duas menores começaram a se aventurar mais, saiam um pouco, voltavam para o buraco à minha aproximação, ou a qualquer barulho, mas estavam crescendo!A um mês, mais ou menos, as corujas maiores foram embora. Ficaram apenas as duas pequenas, não tão pequenas agora. E elas não gritavam comigo!! Todos os dias que eu passava por ali, elas apenas me encaravam, em silêncio, um silêncio respeitador, quase um compromisso. E eu aceitei isso como um tipo de aprovação, de reconhecimento. Afinal, eu tinha tomado os cuidados necessários (não fazendo nada) para que elas pudessem se desenvolver naturalmente. E hoje, ao passar pelo jardim, em frente à Assembléia, por baixo da árvore, ao lado do buraco na grama, as duas corujas filhotes, minhas corujas, me atacaram!! Mais selvagens que os pais! E gente, como eu corri... Foi um momento de tristeza, reflexão e desespero. Decidi andar pela calçada, daqui prá frente.
Nunca gostei de corujas mesmo...

Ferreira Neto

Comentários

nani disse…
Kkkkkkkkkk...
Adoro os títulos dos seus textos...
Também gosto do seu jeito de escrever. Acho que já te disse isso, né!
Essa história é divertida!
Você sempre acha uma coisa engraçada pra tudo! E admiro isso em você...

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