Uma Simples Viagem - (ou "Meu Deus, Isso Nunca Terá Um Fim?")


Era uma viagem rápida. Saída em um dia, retorno no dia seguinte. Doze horas dentro do ônibus, parece cansativo, mas saindo a noite eu meio que mais durmo que fico acordado. Saio as 20:00, chego lá as 08:00 do dia seguinte, embarco de volta às 20:00e as 08:00, de volta à Palmas.

Tá certo, achei o ônibus meio velho, mas tudo bem, não é uma questão de beleza e sim praticidade, vamos nessa.
Poltrona 25.
Tinha um ferro mais ou menos no meio do assento, e a espuma estava bem fina, entendi que seria difícil a noite. Imaginei que, com alguma sorte, sobraria algum assento e eu trocaria de lugar.
Não que o ônibus estivesse cheio, tinha até pouca gente a bordo, mas prefiro não trocar de lugar, porque odeio estar dormindo e alguém me bater no ônibus pedindo o lugar dele.

(O que me lembra a piada do português que, viajando de ônibus, uma chuva enorme e ele sentadinho em sua poltrona. O único passageiro lá dentro, e passou toda a viagem sentado no único assento com uma goteira em cima.
Quando a viagem terminou, o portugues completamente ensopado avisa para o motorista:
_Vou processar! Tomei chuva a noite toda!!
O motorista tenta entender:
_Mas, só tinha o senhor lá dentro! Por que não trocou de lugar?
_Trocar com quem????)

Bem, lá vamos nós, o ônibus tinha uns barulhos estranhos, aquela coisa de ônibus velho mesmo, uma janela que bate, uma folha de acrílico no teto que vibra, aqueles sons que desafiam a audição seletiva da gente.
Perguntei ao motorista (Sr. Sebastião) se tinha ar-condicionado.
_Tem mas não funciona.
_Certo.

_Vai ter filminho?
_Não, tiraram as TVs.
_Certo, culpa minha, por que não notei isso?

Me ajeito, tentando evitar o braço da cadeira e o ferro no assento. No encosto, onde fica aquele chapeuzinho de pano que ele colocam em todas as poltronas, tinha o nome da empresa, um símbolo de "proibido fumar" e os dizeres "Só Jesus Sabe o Caminho".

_Preocupei.

Assim, se o nome do motorista fosse Jesus, tudo bem, mas era Sebastião. Não sou uma pessoa de muita fé religiosa, e se era isso que o ônibus precisava pra chegar, eu estava bem enrolado.
A viagem de 12 horas durou quase 16, paramos algumas vezes para o Sr. Sebastião bater com um martelo (ou marreta, fiquei com medo de descer prá ver) na parte de trás do ônibus.
Acho que ele não foi um ônibus bonzinho, e é isso que acontece com ônibus que não são bonzinhos...

Cheguei, fiz o que tinha que fazer, e de repente estou de volta na rodoviária.
E onde está o guichê da empresa?
Não tem.

_Moço, não tem?
_Não tem.

Pensei, "agora ferrou".

Uma senhora aparece e pergunta:
_O Senhor está esperando o ônibus que vai pra Palmas, pela Viação Longos Caminhos Com Muitas Paradas (nome fictício, mas bem justo)?
_Sim, quero saber em que box pego o ônibus.
_Ah, o senhor fica ali, perto do box 13 (que é o último da linha de embarque) que ele para por ali.

Sentido completo. Claro!

Fiquei por lá, e ele realmente chegou! Não no Box 13, mas bem perto dele. E me desce o Sr. Sebastião!!!

_E aí, "seu" Sebastião?
_Ah, Ferreira! Já está voltando?
_pois é cof... cof... Era só um dia mesmo... cof... cof...
_Seu Sebastião, não tem muita fumaça saindo aqui não?
_Pode ficar tranqüilo, que é fumaça branca!
_...
_Só é problema quando é fumaça preta!

Ah, bom. Então tá bom.

Entro no ônibus, minha passagem é número 25, de novo! Agora, isso é que é coincidência, certo? Errado, era também o MESMO ônibus!
O ferro no assento me contou a verdade! O MESMO ÔNIBUS!!

Dessa vez, apenas 7 pessoas a bordo e mais um motorista, que não sei o nome.

Demorou um pouco pra sair, demorou um pouco pra pegar a estrada, várias pequenas paradas, e aquela mensagem de "Só Jesus Sabe o Caminho" me olhando.
Perto da meia-noite, o ônibus para, acordo pelo barulho das costumeiras marretadas na parte de trás. Barulho de partida...
Nada.
Mais pancadas metálicas, mais uma partida...
Nada.

Toc Toc Toc

(Essa na lataria)

_Tião. Ô Tião, desce aqui.

O Seu Sebastião, que dormia em um banco la no fundão, se levanta, coloca um agasalho, e como os justos que tem todo o tempo do mundo, se espreguiça, olha pela janela, coça entre as pernas, espreguiça de novo e sai do ônibus.
Discussão abafada, marretadas, mas discussão, um ou dois xingamentos, mais marretadas, partida, ônibus andando.

Volto a dormir.

3 horas da manhã, ônibus parado. O mesmo de sempre, marretadas, xingamentos, "Tião desce aqui", partidas e nada.

Resolvi descer.

A parte de trás do ônibus estava aberta, e duas partes laterais também.
Pergunto ao Sr. Sebastião:
_Fumaça preta?
_Pra todo lado !!

Demora.

Alguem trás alguma coisa, marretadas, xingamento, partida, motor funcionando!
Opa, parece que vamos!!

10 minutos depois paramos em um posto com bar, corri prá comprar uma coca-cola, porque estava com sede e previa mais sede no meu futuro.
Entrei, sentei de lado, evitando o pedaço de metal, refri meio bebido ao lado, tentando dormir.
Entre um cochilo e outro, noto que o ônibus está parado outra vez.

_Seu Sebastião, fumaça preta de novo?
_Não, não, dessa vez não, graças a Deus.
_Graças a Deus.
_...
_E o que aconteceu agora?
_Ah, acabou o óleo diesel. Mandei o idiota colocar 250 litros e ele colocou 250 reais!
_Credo, e agora?
_Não sei, estou tentando ligar na empresa, mas o celular não funciona daqui. Vou subir naquele morro alí.

E foi.

E voltou.

_Ferreira, você não tem 100 reais aí pra me emprestar não?
_Desculpa, Seus Sebastião, tenho não...

E la vai ele morro acima de novo.

Eventualmente alguém trouxe um galão com diesel dentro, fomos até um posto de gasolina.
Mais telefonemas, imagino que agora para a empresa autorizar o abastecimento.

E la vamos nós de novo. De novo.


Quase meio dia, oitocentos metros da rodoviária de Palmas, o ônibus para. Sai Seu Sebastião. Marretadas, xingamentos, partida, nada.

_Seu Sebastião, obrigado por tudo, estou indo, daqui dá pra ir andando. Boa sorte aí!
_Vai lá! Obrigado Ferreira, vou esperar você pra viajar com a gente de novo!

Eu também. Com aflição!

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