O Homem de Deus e Um Teste de Fé
João era um bom marido. Fiel, companheiro, aquele tipo de marido que deixa a esposa na cama e se levanta durante a madrugada para atender ao choro do filho. Provedor, mas sem impedir que a esposa tenha sua vida profissional. Amoroso e romântico, tentava conscientemente manter acesa a chama do amor que o unia à sua esposa.
João era um bom pai. Três filhas e um filho, amados igualmente. João era o tipo de pai participativo: jogava bola com o filho, construía casinha de bonecas para as filhas, fazia questão de levá-los à escola, não para vigiá-los, mas pelo prazer da companhia. Parceiro e amigo, sabia quando se afastar, respeitando o espaço de seus filhos, mas sempre disponível, para, em sua melhor capacidade, aconselhá-los e orientá-los. Tudo em um ambiente de respeito, cuidado, atenção e amor.
João era um bom pastor. Não se limitava apenas às preleções diárias feitas em sua igreja. Como um bom pastor, acompanhava seus fieis, auxiliava-os com toda a responsabilidade possível. Promovia encontros, executava enormes campanhas sociais, construía casas, fazia refeições, distribuía agasalhos, financiava estudos, levava sua fé nos limites de suas condições.
João era um bom homem.
Naquele dia, todos prontos para uma pequena viagem de férias (porque João acreditava que, como pai de família, era necessário ter alguns momentos apenas com sua família, para fortalecer os laços de amizade, respeito e amor fraternais), o bom pastor, de mãos dadas com sua família, faz uma oração pedindo segurança e tranquilidade para a viagem.
João era um motorista responsável e um pai divertido. Todos lugares bonitos na estrada se tornavam pontos de parada obrigatórios para fazer fotos com os filhos. Com idades que iam de 9 a 16 anos, os filhos tinham as mais variadas necessidades: paradas para comer, ir ao banheiro, beber água ou apenas admirar a paisagem. E João, como pai amoroso e gentil, atendia a todos os pedidos dos filhos.
Essa atitude, embora divertida para todos, sempre atrasava as viagens e por muitas vezes, João se via dirigindo durante a noite, com todos dormindo, mantendo-se acordado apenas com uma suave música e o senso de responsabilidade que seu amor lhe dava.
Naquela noite, entretanto, nem todo cuidado do bom pastor pode evitar o acidente. Um motorista de caminhão, dormindo ao volante, atingiu violentamente o carro de João. O impacto foi mortal para o motorista do caminhão e traumatizante para a família de João. Sua amada esposa sangrava muito pelo ferimento em sua testa, os filhos contabilizavam muitas fraturas, principalmente em braços e pernas.
João, milagrosamente, não sofrera ferimento algum. Nem um simples arranhão. Os óculos continuavam em seu rosto. Olhando ao redor, vendo os ferimentos de sua amada família, ouvido seus clamores, João sentiu sua fé fortalecida. Naquele instante, antes de tomar sua primeira atitude no sentido de socorrer sua família, ele fez uma rápida oração, agradecendo a Deus por tê-lo poupado fisicamente do acidente inevitável, por ter permitido que ele mantivesse sua integridade física, por estender a ele Sua mão piedosa para que pudesse socorrer sua família.
Após a oração de agradecimento, João avaliou rapidamente suas opções. Sua esposa sangrava abundantemente, seus filhos, no banco de trás, choravam muito, mas no escuro ele não tinha ainda como avaliar a extensão dos ferimentos deles. O carro havia sido jogado para o meio da pista e ele não sabia ainda se o motorista do caminhão havia sobrevivido.
Com muitas decisões e atitudes a serem tomadas em um pequeno espaço de tempo, João rapidamente desenhou uma linha de ação a tomar. Tiraria toda a sua família de dentro do carro e os colocaria na lateral da estrada, em segurança. Trataria o que lhe fosse possível tratar, verificaria o motorista do caminhão, colocaria avisos de perigo na estrada, para prevenir outros eventuais motoristas e então procuraria socorro.
No momento exato em que ele colocou os pés para fora do carro, firme e determinado, uma caminhonete em alta velocidade o atropelou, jogando-o vários metros para longe de seu carro.
Inconsciente, com múltiplas fraturas por todo o corpo, algumas expostas, foi socorrido pelo próprio motorista da caminhonete, que levou todos ao hospital mais próximo.
Quatro dias depois, João voltou ao mundo da consciência. Naquele dia, não quis falar com ninguém, não perguntou pelos filhos e apenas sua esposa, sentada ao seu lado, mereceu um olhar mais atento do bom pastor.
Duas semanas depois do acidente, eles estavam de volta à sua cidade de origem.
Como eu era amigo de uma das filhas de João, fui visitá-los. A esposa de João, sempre muito amável, atendeu a porta. Conversamos por alguns minutos, os filhos estavam todos em casa, menos a filha mais velha, que cuidava de assuntos familiares.
Após uma conversa até agradável, dadas as circunstâncias, fui, por orientação da esposa de João, visitá-lo em seu quarto.
Ele tinha um gesso estranho na altura da cintura, havia quebrado a bacia. Bandagens por todo o corpo, parte do cabelo havia sido raspado e grossos pontos feitos com linha preta podiam ser vistos por toda sua cabeça e rosto.
Ao lado da cama, dois coletores de secreção estavam pendurados, ligados a sondas que se perdiam por baixo do lençol que cobria seu fragilizado e aquebrantado corpo.
À cabeceira da cama, uma pilha enorme de caixas de medicamentos não me chamou tanto a atenção quanto o par de óculos, logo ao lado, emendado com esparadrapo. Soube depois que os óculos, tendo escapado ao acidente, foram partidos no hospital.
_Olá, João, como vai o senhor?
_Mal. –Ora, eu não tinha preparo para isso. Não sabia o que fazer, como falar. Ele era um homem culto e eu, um adolescente! Tentei então caminhar na direção da cultura comum, onde eu pudesse manter uma conversação na qual eu mais escutasse que falasse.
_Graças a Deus que estão todos bem, não é?
_Não existe Deus!! –Decretou ele, em sua voz rouca e furiosa.
Essa foi a última vez que conversamos, mas eu, por algum tempo, ainda namorei escondido uma de suas filhas.
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