A Contínua Nerderização de Minha Filha e Paul Verhoeven
Minha filha, desde pequena, sabendo o que é bom assistir
Então um feriado chegou e depois dele um final de semana. Aproveitei o tempo livre para ver alguns filmes com minha filha de 8 anos de idade.
Estou tentando várias abordagens com ela para faze-lá entender a arte do cinema. Já vimes filmes por temas e por atores. Estou planejando uma seção de filmes baseados em histórias escritas por uma única pessoa (meu primeiro pensamento foi para H. G. Wells, autor de inúmeros livros adaptados para o cinema, como “A Guerra dos Mundos”, A Máquina do Tempo”, “A Ilha do Doutor Moreau”, “O Homem Invisível”…)
Mas como meio que esbarramos em um diretor um dia desses (assistimos ao “O Exterminador do Futuro”, “O Abismo” e “Aliens”, todos de James Cameron), decidi tentar faze-lá entender a influência que um diretor pode ter em um filme.
Ela já viu outro filme do James Cameron, “Avatar”, e gostou muito. Achou o “povo azul” muito mais “gente boa” que os humanos. Mas nós não vimos os filmes do Cameron dentro de um contexto. Por exemplo, só vimos “O Exterminador do Futuro” e “Aliens” porque estávamos assistindo às quadrilogias. Não foi algo acompanhando a carreira do diretor. Até porque, “True Lies” e “Titanic”, filmes obrigatórios para se entender o diretor, ficaram de fora.
Ainda voltaremos ao James Cameron, mas nesse feriado nós nos aprofundamos no trabalho do diretor holandês Paul Verhoeven.
Assistimos, nessa ordem, ao “Starship Trooppers” (Tropas Estelares), “Robocop” e “Total Recall” (O Vingador do Futuro, que ganhou esse nome porque tinha o Arnold Schwarzenegger no filme e como ele tinha feito o “Terminator” que passou por aqui com o nome de “Exterminador do Futuro”, algum imbecil achou que seria legal criar uma referência entre os títulos).
Starship Troppers, baseado no livro homônimo de Robert Heinlein, um de meus escritores favoritos e um dos filmes de ficção científica mais divertidos que já vi. Quando foi lançado, vi muitas críticas, de todos os tipos, que iam desde a violência gratuita (tem mesmo) a erros de táticas militares (deve ter, mas sério, e daí??)
A Terra do futuro está em guerra com insetos alienígenas e o filme acompanha 3 amigos, um na infantaria, outro na força aérea e outro na inteligência militar.
Dinâmico, rápido, cruel, o filme é antes de tudo uma aventura, mas com críticas sociais tão contundentes que por várias vezes tive que parar a exibição para explicar os conceitos à minha filha. Uma das maneiras que o diretor se valeu para avaliar a sociedade durante o filme foram comerciais de TV, que de vez em quando aparecem na tela, relatando situações do dia a dia dos civis não envolvidos na guerra. É quase uma janela para nossos próprios problemas atuais, nossas próprias dificuldades e deslizes, vistas pelos olhos de uma programação de televisão muito mais agressiva e descarada do que essa que temos hoje. Uma pérola, uma ideia tão fantástica que Paul Verhoeven usou o mesmo subterfúgio em Robocop.
E, sim, é um filme muito violento, pra lá de violento. Mas que deixa, além de uma competente e contundente crítica social, uma afirmação de valores humanos, como perseverança, determinação, companheirismo.
Na sequência, assistimos ao Robocop, outro filme usado pelo diretor para criticar a sociedade consumista e a privatização dos serviços públicos, nesse caso, levada a um extremo absurdo, quando a prefeitura de Detroit (Michigan, Estados Unidos da América) terceiriza o trabalho de segurança pública e privatiza a polícia, que agora serve a uma grande empresa multinacional.
Sem direitos trabalhistas, os policiais lutam contra sua própria falência, enquanto a empresa tenta criar seu próprio policial definitivo, o Cyborg do título.
Como em Starship Troopers, Paul Verhoeven se vale da televisão pra destilar suas críticas sociais, neste filme, com até um pouco mais de humor (ácido) que no anterior.
Conceitualmente inovador e esteticamente perfeito, esse filme deu origem a duas sequências cinematográficas, duas séries de filmes para a televisão, uma série de desenhos animados, revistas em quadrinhos e uma infinidade de artigos derivados. No Brasil, ele vendeu calças jeans da marca Pool, em 1990!!
Uma das franquias mais conhecidas de Hollywood, que, segundo dizem, vai ser reiniciada em 2012, sob a direção de José Padilha, diretor brasileiro responsável pelo maior sucesso do cinema de nosso país, “Tropa de Elite”.
Comentário preferido de minha filha, durante todo o filme: “Isso deve ter doído!”
Total Recall, ficção científica baseada no conto “We Can Remember It For You Wholesale”, do escritor Philip K. Dick, que, entre outros livros e contos geniais, escreveu “Do Androids Dream of Electric Sheep?”, que gerou o filme “Bladerunner” (O Caçador de Androides), dirigido por Ridley Scott (outro que, em breve, vou apresentar à minha filha).
A História é ótima, a produção, ainda mais para a época, é fantástica, a direção tem a impressão digital (da mão inteira) de Verhoeven e, se o Schwarzenegger (sim, eu pesquisei o nome…) não estivesse tão em moda na época, esse seria um filme perfeito. Ainda assim, é um dos filmes mais dinâmicos que já vi na vida e mesmo a presença do Mister Universo não consegue estragar.
Na trama, um homem planeja “uma viagem” em um sistema que implanta lembranças no cérebro do cliente, de férias que ele nunca teve realmente. A coisa sai do controle quando, aparentemente, o cliente reage violentamente à implantação das memórias por já haver outro tipo de implante em sua mente. Deste ponto em diante, pessoas conhecidas passam a tentar mata-lo e ele tem que fugir, sem saber por que o querem morto ou quem ele realmente é.
A sociedade atual continua sendo o alvo do diretor e, embora ele não mais use o conceito de comercias de televisão para expor a deturpação social de hoje, em Total Recall ele usa os patrocinadores reais do filme, como Coca-Cola e Pepsi e o jornal USA Today para, em algo que eu nunca vi em outro filme, criticar as grandes redes corporativas e o poder quase absoluto que elas exercem sobre seus consumidores.
Coisa de gênio!
Porém, quase uma hora de discussão com minha filha, depois do final do filme, para ajuda-la a entender a subjetividade da história. Em um momento de iluminação profunda (e confusão absoluta), ela me pergunta “Mas se ele queria dizer isso, por que mostrou aquilo?” para imediatamente corrigir “para a gente não saber o que ele (o personagem principal) não sabe, não é?”
Ééééé!!! (Pai orgulhoso e babão!!)
Claro, alguns filmes do Verhoeven eu intencionalmente deixei de fora, por enquanto.
“Hollow Man” (O Homem Sem Sombra), “Showgirls”, “Basic Instinct” (Instinto Selvagem) e “Flesh and Blood” (Conquista Sangrenta) têm, aos meus olhos, uma temática muito sexualizada e conceitos talvez maduros demais para esperar completa compreensão (e aproveitamento) de minha filha.
Porém, pensando agora, não é interessante como é mais fácil justificar violência, que todos sabemos ser errada e imoral e, ainda assim, termos dificuldade em explicar sexo, que não só deveria ser algo absolutamente normal como, sem o mesmo, a raça humana acabaria? Acho que aqui vale outro ponto para Paul Verhoeven, que consegue colocar os dois no mesmo nível para, no minuto seguinte, criar um abismo entre eles.
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