Conta Que Estou Ouvindo - Aqui é o Bispo Moreira, você está no ar, com o programa “Conta Que Estou Ouvindo”! - Alô, Bispo? Meu nome é Maria dos Prazeres. - Sim, Maria... Conta que estou ouvindo, irmã. Diga o seu problema. - Bispo. Eu estou com problemas com o meu pastor... - Sim, irmã... qual o problema? - Eu tenho vergonha de falar... – a mulher soluça, parece prestes a chorar. - Pode falar, irmã. Deus sabe de tudo. Se você não tiver vergonha dEle, Ele também não terá de você... - Tá bem, Bispo. Sabe, quando eu estou sozinha, o pastor chega perto, começa a esfregar a minha perna, depois ele começa a fazer carinho na minha perna. Eu finjo que não estou percebendo... - Irmã, desculpe perguntar, mas onde isso acontece? Na sua igreja? - Não, Bispo. Na minha casa. - O seu pastor vai na sua casa? - Ele mora nos fundos... - Sim, prossiga! - Então, ele fica lá fazendo carinho na minha perna. O senhor sabe, não é? Poxa! EU sou gente... - Claro, irmã. Pode contar... - Pois então, de repente, parece que uma coisa se apossa de mim, aí eu não consigo me conter. - A senhora é solteira irmã? - Não, Bispo. Sou casada. Isso só acontece durante o dia, quando meu marido está trabalhando. - O pastor vai na sua casa enquanto seu marido está fora? - Vai, Bispo. A voz do Bispo parece carregada de ódio. - Prossiga irmã. - Então, o pastor começa a lamber a minha perna, meu joelho... - Lamber, irmã? - É Bispo. - E depois? - Aí, Bispo, como eu disse, eu levo ele para o meu quarto. E a gente faz... o senhor sabe, não é? - Irmã, que terrível. - Estou vivendo em pecado, Bispo? - Claro, irmã. Mas pior ainda está esse pastor. Me diga, irmã, como é o nome dele? - Totó. - ???
Estamos novamente no ar, aguardando seu telefonema. Aqui é o Bispo Moreira com o programa “Conta Que Estou Ouvindo”. Alô? Voz em falsete: - Alô! - Qual o seu nome, meu amigo, minha amiga? - Priscila. - Priscila é o seu nome de registro? - Não, é José. - Irmão! Se você nasceu homem, é essa a vontade de Deus. Não fique chateado, mas vou chamá-lo de José, está bem? - Eu preferia Priscila, mas se o senhor insiste... - Insisto, meu irmão, insisto. Conta que estou ouvindo, José. - Pois é isso, Bispo. Eu só to ligando porque a minha amiga, Cristina... ela é assim como eu, mas eu não sei o verdadeiro nome dela... - Não tem problema, José, vamos chamar de AMIGO, está bem? - Ta bom, Bispo. Sabe, meu AMIGO caiu doente e ficou mooorta de preocupação, pensando que era... que era... a MALDITA, o senhor sabe? - Aids? - Cruzes! Te esconjuro, pé de pato, mangalô três vezes... - Fique calmo, meu irmão. Aqui, na rádio de Deus, só a Palavra dEle tem força. - Então, “seu” Bispo. O meu amigo ficou doente e pensou logo que fosse... - Aids. - Isso. Aí ele foi fazer aqueles exames todos... - Já sei: deu positivo e ele mandou que você me ligasse, pedindo uma oração por ele... - Não Bispo. Deu negativo e ele pediu que ligasse para tranqüilizar o senhor. É a Cristina, que faz ponto na... CLIC! Entram os comerciais da rádio. - Bem irmãos. Estamos de volta com a nossa programação, aqui é o Bispo Moreira, com o programa “Conta Que Estou Ouvindo”. Alô? - Que porra de ligação foi aquela? - Errr... quem está falando? - A Celeste, sua mulher, seu bispo de merda! Que porra de ligação foi aquela? - Minha senhora. Modere o seu linguajar... - Eu falo o palavrão que eu quiser, seu veado! E se você desligar essa porra, eu desapareço, levo as crianças, raspo a conta do banco e transfiro aquele dinheiro da conta do Paraguai. Vou desaparecer com seus filhos e o dinheiro! Desliga, pra você ver uma coisa... - Errr... Dona Celeste, a senhora está muito nervosa... acalme-se... - Pára de me chamar de dona, desgraçado! - Celeste... em casa conversamos... estamos no ar... - Não, filho da puta! Quero saber que porra de história é essa, daquele veado. - Que história? A grande verdade é que todo homem, quando flagrado, finge que não sabe do que está se falando. - Da Cristina... - Que Cristina? - Que te ligou ainda há pouco, seu puto! Não finja que não sabe do que está falando... - Celeste... estamos no ar... - Foda-se! - Vou desligar... - Experimenta, corno, filho da puta! Experimenta para ver se eu não desapareço com as crianças e o dinheiro. Quer saber? Mudei de ideia. Vou deixar as crianças com você. Vou desaparecer com o dinheiro, apenas. - Celeste... que dinheiro, minha filha? O Bispo já está falando rangendo os dentes. - O que você desviou durante todos esses anos. Quer saber o total? Estou com o último saldo aqui... - Celeste, minha irmã... você não percebe que o maligno está agindo sobre você? Enquanto fala, o Bispo anota em um bilhete para que mandem dois seguranças na sua casa, amordaçar a mulher. - Maligno é o caralho! O único maligno que eu conheço é você, seu veado de merda! - Irmã... contenha seu palavreado. Eu não quero desligar, mas se continuar, podem tirar o programa do ar. - Se tirarem, você está fodido! - Irmã... - E tem mais. Sabe o pastor Eliseu? Somos amantes. Toda quarta-feira à noite, quando você vai para a Congregação, ele me leva para um motel. Bispo Moreira lança um olhar fulminante para o Pastor Eliseu, que está a seu lado na rádio. Eliseu engole em seco, passa um dedo no colarinho, como para afrouxar a gravata e sussurra: - Ela está falando isso apenas para provocar... não é verdade... - Eu sei que ele está aí do seu lado. Ele tem uma cicatriz no saco. Manda ele mostrar... - Eliseu, filho da puta! Eliseu sai correndo do estúdio. - E tem mais! Sabe o caseiro do nosso sítio? Já dei pra ele também. - Você é uma puta! Vagabunda, piranha... - E você, além de corno é veado! V-E-A-D-O! Veado! - Piranha! Barulhos na linha telefônica. Ouve-se o aparelho caindo no chão. Ao longe, a voz da mulher: - Socorro! Alguém chama a polícia. Estão me matando... Alguns instantes de silêncio e entra uma outra voz feminina, nem um pouco parecida com a de Celeste: - Amorzinho? Sou eu, a Celeste... - Sim? - Eu estava mesmo com o maligno no corpo. Mas, devido à oração dos fiéis da rádio, me libertei. - Milagre! Ao fundo ouvem-se novamente ruídos de luta. (J. Miguel 31/ago/2006)
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"J. Miguel : assim assina seus textos Jacob Miguel El-mokdisi, carioca, nascido em 1965, cronista, autor de textos de humor, romances e algumas poesias. Tem um livro de contos publicado pela Editora Komedi, "Contos de Vida e Vida Após a Vida", trabalhos publicados em algumas coletâneas de contos e um livro de humor no prelo, "Para Chorar... de Rir!" a ser lançado ainda em 2008." |
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