O Comprimento do Cumprimento
Aí o amigo me encontra na rua e pergunta:
_Como vai, tudo bem?
E, no melhor da educação que mamãe me deu, respondo:
_Tudo bem, obrigado. E voce, como está?
_Ah, estou bem também.
_Que bom!
_Bom te ver, você está ótimo! Tem malhado?
_Nada, apenas controlando a alimentação.
_Que bom. E a família?
_Bem, obrigado. A sua?
_Também, tudo tranquilo.
_Ótimo, ótimo...
_...
_Bem, tenho que ir agora. Bom te ver!
_Também gostei, vamos marcar alguma coisa um dia desses.
_Claro! Até lá então!
_Até. Vai pela sombra!
_He he he
_He he...
Putz !
Fico imaginando como seria esse "esbarrão social" se fosse possível excluir a educação que minha santa mamãezinha me deu.
_Como vai, tudo bem?
_Não, não estou não. O médico não sabe se é fungo ou gonorreia. E você, como está?
_Ah, hum... Bem... Bem, eu estou bem também.
_Que bom! Porque depois daquele desfalque no banco onde você trabalhava, pensei que as coisas estivessem ruins para o seu lado.
_Er... Mas... Olha, não provaram nada. Mas e você, parece ótimo... Tem malhado?
_Malhado? Com essa barriga aqui? Que coisa idiota de se falar!! Procura um oculista.
_Arram... tá certo, vou mesmo... E a família?
_Minha mãe morreu, meu pai está com câncer nos pulmões, minha filha ficou grávida, fugiu de casa com um traficante barra pesada, mas me mandou uma foto da festa de aniversário que o traficante fez pra ela. 14 anos de idade, acredita? E a sua família?
_Eita. Ah... tudo tranquilo.
_Tranquilo? Mas a sua mulher não estava corneando você com todos os seus amigos, quando descobriu que foi a sua amante no banco que te entregou pra polícia?
_...
_Bem, tenho que ir agora. Foi uma droga te ver.
_Tá bom. Vamos marcar alguma coisa um dia desses.
_Vamos nada, quero mais que se dane, ladrãozinho de merda!...
_Vai pela sombra!
_Vai se phuder!
E tem piores!!
Tem aqueles com os quais nós somos os imprudentes e nós é que perguntamos _"Como vai você?" e isso é a senha, a palavra-chave para o conhecido soltar tudo!
_Ah, nem te conto... Minha coluna, cada vez pior...
_Meu carro, coitado, praticamente perda total...
_Aquela chuva foi terrível, minha casa ficou com lama até essa altura...
_Mas esse governo...
_Mas essa prefeitura...
_Mas esse time...
_Cara, estou mesmo precisando de uma grana...
A verdade é que sentimos um tipo de compulsão para interagir com as pessoas. Mas, passados 5 minutos, já não temos mais nada de assunto com interesse comum pra falar. Tá, podemos comentar o futebol de domingo, por exemplo. Ou podemos ser meio interesseiros e perguntar por algo sobre política, comércio, ou até uma rápida consulta médica ali mesmo, no meio da rua.
Mas, de uma maneira geral, conhecemos bem poucas pessoas a um nível de intimidade que nos permita fazer perguntas realmente pessoais.
É daí que vem a velocidade estipulada, a duração admitida desses encontros sociais com pessoas que conhecemos.
E somos todos iguais nisso! Sabe aquela agonia que sentimos quando queremos ir embora, mas a pessoa que nos encontrou na rua insiste em continuar falando? Eles também sentem, quando somos nós que esticamos a conversa!
Somos criaturas sociais vivendo vidas isoladas. A mesma sociedade que nos deu proteção e permitiu nosso desenvolvimento, nos ensinou a mantermos uma distância conveniente dos outros componentes do mesmo sistema.
Acho que isso inclusive explica o porque de tanta gente, hoje em dia, matar a namorada/noiva/esposa/amante e depois suicidar. Vivemos em um estado de isolamento tão grande, que o vislumbre de se perder a pessoa que compartilha de nossa intimidade é razão suficiente para encerrar a existência dela, e sem ela, a própria.
Muito o que se falar da sociedade, eu acho.
Por ora, deixo uma sugestão:
Se encontrar um amigo na rua e perguntar como ele está, se ele responder
_"Bem, obrigado!"
diga apenas,
_"De nada." e vá embora, rapidinho!
Mas se ele responder,
_"Olha, para falar a verdade..." ou _"Ainda bem que perguntou..."
Finja escutar alguém chamando seu nome, simule atender o celular, ou apenas olhe para o relógio, faça cara de preocupado, e vá embora, realmente rápido!!
///--\\\
Comentários